segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Fragmentos da Memória

Fernando Diniz : "Sem Título", 1954 - Artista Plástico. Nasceu em Aratu, Bahia, em 1918 - Morou por 50 anos, no Hospital Psiquiátrico Pedro II, no bairro do Engenho de Dentro. Desde de 1949, viveu internado no hospital. Morreu em 1999. Autor do filme de animação Estrela de Oito Pontas, realizado por Fernando Diniz e Marcos Magalhães, em 1979. Fernando era um artista do Museu de Imagens do Inconsciente, uma instituição criada por Nise da Silveira.
Foi observado nas leituras feitas através dos relatórios de pacientes, a presença da monitora Aparecida, que contribuiu de um modo muito especial, para que Fernando, tivesse progresso em sua capacidade de expressão artistica. Aparecida com traços orientais, foi inspiração para o surgimento de uma estética japonesa em sua obra. A partir deste relacionamento, a progressão de seus trabalhos foram criando e estabecendo contatos com o mundo real. O tema casa, se faz presente em sua produção artística. (Fonte de Consulta : Museu de Imagens do Inconsciente, Itaú Cultural, Estudos e Pesquisas em Psicologia, artigo 6, de autoria de Walter Melo).
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Há em mim, um menino escondido que aparece sempre quando meu neto surge diante de mim. Sua visita transforma-se em um encontro de idade e de felicidade. Meus passos acompanham sua alegria saltitante e vibrante. Um chamado pelo avô, é a senha de sua chegada. Grita por Vovô na portaria do prédio, desço e vou apanhá-lo. Recebo de imediato um abraço apertado, frases que não consigo entender, por mais que me esforce e olhares de curiosidade ao redor. Gosta de ver tudo que se passa. Na calçada, uma senhora acompanhada de um cachorro; Ramom o chama por Au au. O cachorro finge que não escuta e segue o seu destino.

Ramom adentra ligeiro pelo corredor lateral do prédio e vai direto sem titubear parar diante da caixa de correspondência; pego no colo , para ajudar a tirar a correspondência da caixa. Peço para apertar o botão do elevador e ganha os merecidos aplausos, por ter cumprido a sua tarefa. Fica muito satisfeito pelo elogio, sorri. Ajudo apertar o botão do elevador correspondente ao andar em que moramos, recebe em seguida, novo elogio. Saímos do elevador, como gosta de apertar a campaínha, eu faço a sua vontade e abro em seguida a porta com a chave. Vai direto para a sala e pega os patinhos de cerâmica, retira dali e leva para o quarto da bisa, colocando-os em cima da cama. É o inicio da brincadeira, depois de algum tempo, intervalo para um rápido sono para recompor as energias gastas e voltar a revigorado para mais brincadeiras e descobertas. De assimilar imagens e palavras que farão parte de seu cotidiano.

A presença encantadora de Ramom aqui em casa, faz com que eu promova diante do espelho, uma volta ao passado, a um passado que guardo na lembrança. Recrio e remendo imagens, mesmo esmaecidas de minha fase de criança. Volto ao tempo em que eu descia a ladeira da João Ricardo, rua em que eu morava em Sâo Cristóvão, bairro em que nasci. Das vêzes que ia correndo até a padaria, comprava duas bisnagas e voltava correndo. Das brincadeiras com bola de meia ou de couro, do jogo de bola de gude. Das brincadeiras de pêra, uva ou maçã com as meninas. Dos namoricos ingênuos. De pular corda, de subir no muro para chamar o amigo, da casa vizinha. De ouvir o vizinho do andar de cima, chamar por Mutter (Mãe) a todo momento. Era uma familia alemã que moravam no prédio. Não fui um garoto que soltava pipa, nem balões, não me interessava.

Morei no térreo, e no corredor que dava acesso ao apartamento, eu ficava andando de bicicleta, uma Mercswiss de cor marrom. Largava a bicicleta e passava para o carrinho de rolimã, apostando corrida ladeira abaixo. Nem sempre ganhava, haviam garotos mais habilidosos e rápidos, do que eu. Em 1956, optei por torcer pelo Vasco, cujo estádio na época, situava no mesmo bairro, hoje a área, ganhou status de bairro, passando a ser São Januário. Coloquei a cruz de malta em meu peito. Das caronas de bonde, pegando no estribo para soltar do bonde 36 Cancela, andando, antes dele parar. Gostava de pegar o bonde 53 São Januário, para subir a Rua Fonseca Telles, descer dois ou três pontos seguintes, ir ao Colégio Brasileiro e aguardar minha madrinha sair, ela era professora. Corria até ao jornaleiro no Largo da Cancela comprar o jornal Diário de Notícias ou o jornal Última Hora. Havia nesta época jornais vespertinos. Comprar jornais foi um hábito que adquiri desde a infância, fui leitor dos jornais que a minha madrinha lia, bem como mais tarde, fui leitor de O Jornal, do Correio da Manhã até a fase em que passou para a familia Alencar, do Jornal dos Sports, o cor de rosa da sua primeira página, da experiência do O Sol e que faz parte dos versos da canção Alegria, Alegria de Caetano Veloso, do Jornal do Brasil, por muitos anos, do jornal República, da Folha de São Paulo e finalmente o jornal O Globo. Ganhei de minha madrinha Dilene, livros de Monteiro Lobato e o livro Cazuza, de Viriato Correia. De comprar cadernos e livros em frente ao Instituto de Educação, na Casa Mattos, uma livraria e papelaria que se auto-proclamava como amiga número um dos estudantes. Havia o desconto de 10% por minha madrinha ser professora. Depois de muitos anos em destaque no comércio, esta papelaria, com filial em vários bairros, foi desativada por dificuldades financeiras.

Nos finais de semana, quando não visitava à Quinta da Boa Vista, que aliás, eu era vizinho; gostava de passar por baixo da roleta, a minha idade e altura, me davam garantias de gratuidade para visitar o zoológico. Era um passeio extremamente agradável, mais ainda, quando pegávamos o trenzinho ou a charrete. A bicicleta era parte integrante do passeio, ao ir para o Campo de São Cristóvão, de brincar no coreto, de colocar barquinho de papel no lago, de mais tarde, visitar o pavilhão de exposições. De meus pais, junto ou, com minha madrinha, freqüentávamos as igrejas, as missas eram faladas em latim. Morávamos próximo da Igreja de São Januário, da Santa Edwiges e um pouco distante da Igreja de São Cristóvão. De meu pai trabalhando como inspetor na parte da noite no Instituto Cyleno, na rua São Januário. Da antiga árvore plantada por D. João VI , no meio da Avenida do Exército. Do ponto de táxi no Largo da Cancela. Da numeração dos bondes, do bonde taioba e dos ônibus, nesta época, ainda circulava os lotações. De quando, eu pegava o ônibus 25 (hoje 474 Jacaré – Jardim de Alah) acompanhado de minha avó Celina, para visitar minha tia que morava no bairro do Riachuelo. Dos armazéns e quitandas. Da falta de energia. De comprar leite em garrafa, no caminhão parado na Avenida do Exécito. De ouvir rádio em um aparelho imenso que ficava na sala. Do casal de periquitos que eu e minha irmã tínhamos, o meu tinha a cor azul, que é a minha preferida, o de minha irmã, uma colaração verde e amarela. Da compra do aparelho de televisão. Lembro do nosso número de telefone, que era: 341025. Para se conseguir telefone, tinha de ficar em uma fila e era se não falha a memória, feita através de sorteio. O aparelho era de cor preta.

De arrumar a merendeira para ir ao Jardim da Infância, no Instituto de Educação na Rua Mariz e Barros, de dar lata de biscoitos ou de bombons, no dia dos mestres, para a professora Geysa que eu adorava. De deixar a minha irmã na escola Benedito Ottoni, na Rua Senador Furtado, na Praça da Bandeira. O local do bairro, era conhecido como Engenho Velho da Tijuca, mais tarde, passou a denominar como Tijuca. Do corte de cabelo Principe-Danilo, que eu fazia no barbeiro da esquina da Fonseca Teles, levado por minha mãe. Da queda de minha irmã, levando ponto no pulso, por cortes de garrafas de refrigerantes, ao cair na porta de casa. De aguardar o sorveteiro ou baleiro passar para comprar. Do apito da fábrica de botões, na esquina da Rua Antônio Henrique de Noronha. De olhar para o prédio imenso da faculdade, que ficava na Rua Fonseca Teles. Foi no bairro de Sâo Cristóvão que passei a brincar e construir sonhos de criança, naquele velho bairro imperial, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, comecei a tecer minha história.

Meus queridos amigos, hoje e mais alguns dias, estarei juntando os cacos coloridos de minha infância, onde através dos pedaços esquecidos em um canto da memória, seguirei perseguindo os rastros do tempo, tempos que não voltam mais...sem dúvida, mas que foram inesquecíveis.





9 comentários:

Jôka P. disse...

Estou comovido com tantas memórias de infância vindo à tona nesse espaço de arte e literatura.
Um abraço pra você, sua família e principalmente o pequeno peralta Ramon !
:)
Jôka P.

Lia Noronha disse...

Wilton: a Quitanda hj está que é pura Nostalgia...com muita alegria de criança!
Beijos bem carinhosos pra o pequeno Ramom e para o avô dele.
Boa semana para toda a família.

Anônimo disse...

O quanto uma criança nos causa alegria, nos faz vibrar de tantas emoções... Estou ansiosa por este momento. Christian já está com seis meses, logo,logo, meu cotidiano estará sendo transformado por brincadeiras que há muito estão esmaecidas na minha lembrança. Preciso revivê-las, e é através dele, que este encontro por mim tão almejado, se realizará, com muito amor!!!!
Bjãooo no Ramon e um grande abraço e fique com Deus.

Laura_Diz disse...

Querido, qtas lembranças... é bom.
Adoro o fernando diniz, maravilhoso,as naturezas dele são lindas.
hoje li sobre suas manias, hahaha precisa vir ver a minha pia, eu tbm não gosto de louça suja, mas não dou conta dos copos dos meninos, e canso de tanto pedir, acabam usando mtos copos, irritante.
Ramomzinho foi a melhor coisa que aconteceu nos últimos anos na vida de vcs. Fio mto feliz por isto.
Que seja abençoado sempre. benza deus, como dizem, mesmo eu sendo descrente...:)
Boa noite, ou bom dia.
Estive triste estes dias, vou melhorar.
Laura

Vera F. disse...

Wilton, por isso temos netos para que não esqueçamos que um dia fomos crianças tbm. Ainda não os tenho mas quanto os tiver com certeza serei como vc e a marilena.
Com os filhos temos tantas responsabilidades que nem sempre dá para só curtir. Neto é a nossa redenção!
Boa semana. Bjos.

Janaina disse...

Eu só consigo pensar no quanto o Ramom é sortudo por ter um avô assim... E você também né, por ter todo esse amor para dar a ele. Beijão!

Milton T disse...

Essas memórias são eternas Wilton. Ontem veio minha sobrinha de 8 meses. Como está linda. Foi uma alegria só!
Boa semana

Avó do Miau disse...

Quando olho para a minha filha é que dou valor à minha mãe, por perceber o trabalho que dei!
Beijinhos

Lia Noronha disse...

Wilton: chego no Quitanda logo cedo...pra encontrar o seu varal artístico...e viajar nos caminhos da sensibilidade muito bem conduzida pelo seu quitandeiro.
Boa quinta feira e beijos bem carinhosos.