quarta-feira, abril 09, 2008

Recordações de um livreiro

Estava ontem pensando em livros, ou melhor, estava recordando os momentos em que fui um profissional do livro. Em que saia quando não estava em trabalho interno, fazendo chuva ou sol pra rua vender livros, apresentar as novidades das editoras. Acho que nem sempre deve-se apresentar apenas os lançamentos, deve-se de alguma forma (re)apresentar o catálogo da editora usando uma capa ou mesmo livro, resgatar aquele livro que ficou esquecido, deixado de lado pelo livreiro. É uma maneira de dar uma oxigenada no livro, um pouco de sobrevida, fazer com que ele apareça, que ele respire nas estantes ou balcões das livrarias.
Fazia visita em vários bairros da cidade do Rio de Janeiro e não são muitos os bairros em que havia a presença de livrarias. Algumas livrarias a visita se tornava mais frequente em função do ritmo de compra de cada uma; muita gente, autor, principalmente, pensa que um livro não se encontra em determinada livraria, é o fim do mundo. Não sabe, desconhece a conduta daquela livraria, pode haver diversos motivos de um livro não estar´presente em uma livraria. A ausência de um livro em uma livraria badalada ou não, também serve para os editores, que não compreendem como o livro que editam, não está nesta ou naquela livraria. Há títulos que não impulsionam nenhuma empatia, não geram vendas. Quando há resistências por parte do livreiro por alguma razão podemos entrar com consignação, aqui abro um parentêses, há livreiros e editores que não apreciam consignações..
Os editores para se preservarem engendram limites e mais limites para compra de livros por parte da livraria, estabelecem desde mínimo de faturamento, até a negativação por parte do comerciante na praça. Em minha época de distribuidor achava um absurdo pautar minhas vendas através de uma entidade de classes que estava voltada para o livro didático. Se houvesse algum débito pendente em alguma editora ou distribuidora de livros didáticos, haveria restrição de crédito e não forneceria para o cliente. Não partilhava desta concepção, são fornecedores diferentes, nem queria saber, fornecia sem me ater ao impedimento por parte deste controle em que as editoras didáticas determinavam. Era a conduta deles e não a minha. Fornecia, seja através de um vale provisório, de um livro, até se obter condições de faturamento, nunca criei obstáculos para vender. Achava melhor o livro na livraria do que no depósito. Não fazia como os didáticos que desprezavam as livrarias para venderem nas escolas. Subvertia prazo e descontos, não segmentava por faturamento e tamanho, todos independentes da livraria, receberiam o mesmo tratamento. Havia no Rio de Janeiro, de minha época casos excepcionais, como a Sodiler, por ser a maior rede de livrarias da cidade. Era um caso pontual, pois não compravam toda novidade, inclusive pelas características das lojas em aeroportos, rodoviárias e shoppings. Abria espaços para conversas para negociar prazo em função de alguma promoção das editoras que eu representava, em que alteravam o meu desconto e o meu prazo, assim poderia repassar condições melhores ao livreiro.
Como fui comprador nas livrarias e pracista em editoras e na minha distribuidora, fui testemunha de que era raro encontrar um vendedor de livros didáticos. Nesta caminhada esbarrava com muitos vendedores pracistas e não identificava um profissional da área de didáticos. Estas editoras faziam um bom trabalho de divulgação, aí sim era o caminho da mina. Naturalmente pegava outros atalhos. A distribuidora Obra Aberta tinha um perfil de atuação com livros na área universitária, um segmento que priorizei desde da época em que criei em Ipanema nos anos 80, a livraria Quarup.
Muitos livros demoram na reposição, também há muitos fatores para ausência de um título, que vai do desinteresse por parte do livreiro em repor, nas interferências das editoras que exigem mínimo de faturamento que relutam em fornecer, na conduta de compra por parte das livrarias. Entendendo que há o momento ideal de se fazer um pedido para editoras ou distribuidoras, considerando por exemplo, as datas de montar um pedido. Ao coletar meus pedidos, tinha oportunidade de flagrar listas de pedidos pendentes na compra do livreiro por não poder comprar, se não houve liberação por parte de quem detém esta ordem, nada é feito. Neste aspecto eu facilitava, fornecia para os livreiros em forma de vale e assim que estivesse liberado o pedido, o procedimento de compra seria formalizado.
Trabalhar com livro não é fácil, entendo não ser um privilégio, mas um profissional do livro deve estar preparado, ter uma boa bagagem cultural, de saber fazer uma leitura do cliente, seja ele pessoa física ou jurídica, neste último, em se tratando de um pracista. Em uma livraria saber o momento da abordagem e não ficar muito na cola, inibindo seus movimentos, há de se dar espaços para consultar prateleiras e balcões, ser gentil. Não se deve perder de vista o cliente, para isto, o acompanhe com os olhos, de alguma forma ele vai lhe sinalizar, quando abrir esta brecha, é o momento de sua intervenção.
O livreiro tem de estar por dentro do movimento editorial, ficar antenado, conhecer os gostos e manias, as leituras de seus clientes. Não adianta oferecer um livro que nada tem haver com o que cliente , a recusa vai ser de imediato. O livro é uma mercadoria especial, se ele procura por Paulo Freire, por Pedagogia do Oprimido, e o livro não estiver em estoque, não adianta o livreiro oferecer gato por lebre, ou até mostrar para ver se cola o livro de Marcus Freire, é difícil, mas não elimino a possibilidade do leitor comprar o livro apresentado. Se o leitor for receptivo, acho válido, mas não no sentido de empurrar um livro no lugar do outro.
De preferência não deve perder de vista o suporte dos cadernos literários, ou das editoras, mesmo que tais cadernos "culturais" sejam viciados e deformem por interesses a produção editorial de editoras que passam ao largo destes jornais. Nunca vão ser mencionadas ou resenhadas, mesmo que lotem as mesas com livros de cortesia para os jornalistas que "resenham". Os livros podem parar em sebos. Estes espaços da imprensa, são ocupados como territórios de algumas editoras. Não posso deixar de apontar que muitos leitores/clientes tomam estes cadernos como norte de suas compras e consultas. Importante que o livreiro, seja também um leitor, um atento leitor e que repasse as informações para o cliente.

O mercado livreiro está como sempre com dificuldades, de várias ordens, uma livraria não pode comprar tudo que aparece, há mais editoras do que livrarias. O livreiro fica doido e nem dispõe de tanta verba para comprar, vai sobrar para alguém, de preferência para editoras que não sejam badaladas na mídia. Ainda se lida com autor com produção própria que quer com toda razão ocupar o seu espaço, mal sabe que há livreiros que não dão nenhuma importância a este tipo de livro.
O que me incomodava enquanto livreiro era ter de lidar com livros sem lombada, muito fino, de poucas páginas, este tipo de formato a tendência era ficar sumido nas prateleiras. Um livro com boa apresentação visual, bom título e autor, independente dele ser bom ou não, o importante para mim, era o registro fotográfico em minha memória, que estes elementos, ingredientes que ajudavam a formar um contato inicial com o livro. Um outra via de registro do livro, é o assunto, ou tema, claro que exige do profissional, uma intimidade maior com o que circula na livraria, como está disposta as estantes e os assuntos. O livro mesmo passa esta informação.
Um dos meus últimos atendimentos em um sebo que trabalhei tentando dar uma organização nos assuntos, pois fui chamado nesta condição de dar um jeito na bagunça, mas como vício do livreiro, acabou ficando tudo como estava, em desordem total. O livreiro por uma razão que ainda hoje pensando sobre o assunto, não consigo entender, se negava a permitir que se colocasse em ordem alfabética os livros na estante. Como havia reclamações dos clientes sobre o entendimento, a concepção de livraria do livreiro, enfim, era dele, amarra- se o burro conforme a vontade do dono. Como não foi capaz de utilizar do bom senso, acabava deste modo inibindo qualquer possibilidade de arrumação. Independente do bom acervo que a loja possuía, demonstrei e foi nesta condição de livreiro que fui chamado. Acho que reúno as condições de livreiro, sou livreiro, pode ser que algum dos que estão no mercado discordem, também, nunca soube, não chegou até a mim, tal classificação em contrário. Dando um exemplo de que ocorreu, ao atender uma cliente negra sobre assuntos de escravidão, sobre negritude, ela professora e historiadora com atuação no interior do estado.
Conversávamos, me apresentei como antigo livreiro e sociólogo, em um dado momento, me perguntou se havia algum livro sobre TEN, como havia arrumado na desordem as prateleiras, disse que havia um livro, que falava sobre o Teatro Experimental do Negro, através de depoimento das atrizes que protagonizaram o movimento negro em nosso país, indiquei o livro da jornalista Sandra Almada, Damas Negras, editado pela Mauad, ficou contente com a indicação, acabou por levar o livro. Há donos de livrarias que se sentem incomodados quando um "vendedor" mantém uma conversa com o cliente, acham mesmo que a sua presença serve apenas para pegar o livro e entregar para o cliente. Para isso a informação que dispunha me valeu bastante, consegui vender um livro e passei credibilidade na indicação do livro, com certeza é um dos critérios que os livreiros devem ter em sua formação como profissional.










Raimundo Brandão Cela -
Nasceu em Sobral e faleceu em Niterói, 1890 - 1954 "Fitando o Mar"