domingo, junho 22, 2008

De volta ao livro, um agradecimento ao livreiro Francisco Olivar


















Demorou! Agora estou de volta ao mundo dos livros, em especial ao comércio de livros usados, melhor ainda, a onde o povo está, ou seja, na rua, em um dos espaços de maior muvuca, localizado no coração da cidade, onde transitam desde engravatados, senhoras elegantes, estudantes, enfim, há diversos tipos de passantes; se me pedirem algum dado estatístico de quantas pessoas passam pelo local, confesso, que não disponho de nenhum. Só em olhar o agitado movimento das pessoas, percebi que há muito esbarrão entres as pessoas, que vão de encontro umas com as outras, nem sequer, ouve-se um pedido de desculpas, claro que há pessoas que fazem de propósito.
Ouvir o barulho de tudo que é som, desde de um saxofonista, que me parece desafinado,o artista é dono sem dúvida de um repertório com pouca variação sonora, chega a ser constrangedor, mas ganha a vida desta maneira, cada um, se vira como pode, e assim deve ser.
Ter um emprego formal, está cada vez mais difícil, as oportunidades se estreitam na medida em que você envelhece. Claro que esta situação vai muito além, envolve outros valores, em que a projeção do jovem, a beleza de alguma forma, são apresentações indispensáveis para o recrutamento da mão-de-obra. Acho que deve se apostar no jovem, em qualificar o profissional, no momento, ele é hoje, mas amanhã, pela passagem do tempo, passa a ser ontem, torna-se mais velho, as rugas e os cabelos brancos, são registros do tempo, daí em diante, o estigma, a exclusão, a marginalidade.

Pela parte da manhã, antes das 8 horas, já estou na luta sem pedir licença, neste caso, há suas compensações, por exemplo, compondo a paisagem sonora, para quem trabalha ou passa por aquele trecho, somos brindados com a presença de um tocador de rebeca, além de bem intencionado, alguns dizem que desafina, mas infelizmente, oferece pouca variação, toca apenas música clássica, acredito que sejam as mais conhecidas.
Durante a semana, a Avenida Rio Branco convive geralmente, com o caótico trânsito de ônibus, motos, bicicletas, transeuntes e automóveis com as suas insuportáveis buzinas, além dos apitos estridentes com o firme propósito de desorganizarem o caos. Avenida Rio Branco sem a presença das diversas manifestações de protestos com os seus mais variados protagonistas, não seria a mesma.É a artéria pulsante da avenida, que aliás, é uma via que serve de tremendo palco para qualquer tipo de manifestação, que muitas vezes, são reforçadas por possantes caixas de som, para dar ao falante, a certeza de quanto mais ele gritar, soltar a voz, será ouvido pelos passantes e fará vibrar a categoria sindical que eles representam.
Para implementar a freqüência sônica, estou rodeado por todo tipo de som, o mais irritante, é a infernal gritaria dos vendedores de cds/dvds e programas de computador. Desde cedo, por volta de 8 horas, vai chegando a turma, há um bom números de pessoas, não identifiquei a presença de mulheres neste tipo de trabalho, a grande maioria, são de homens, na faixa de 20 e 30 anos, oferecendo os mais variados produtos,quer dizer programas, no entanto, quero registrar que há uma incessante repetição em um ritmo, só comparável aos papagaios, acho que sofrem de psitacismo, mas parece ser a voz o melhor instrumento de vendas, cada um instrumentaliza a voz como pode, então, que assim seja.
O certo é que existe uma poluição sonora, que pode ser observada ou ouvida, se caminharmos em direção ao interior do Largo da Carioca. São sons produzidos por outros vendedores, pregadores religiosos, ruídos diversos, que revela a expressão musical da sinfonia caótica que toma conta da paisagem urbana dos grandes centros. Percebi que qualquer tipo de cidadão se acha no direito de mostrar a voz, gritar, assobiar, rir em tom elevado. Há alguns passantes que pegam carona na música tocada pelo saxofonista e dão de cantar. Outro dia, passou um sujeito bêbado, tipo mendigo, cantando músicas românticas.

Tenho observado pessoas que saem da Estação em tremenda disparada, achei estranho, depois percebi que era para pegar a tempo, o sinal aberto para elas atravessarem a pista.
Há um lado bom nesta história que é a minha volta para trabalhar com livros, para isto, tenho de agradecer a um velho companheiro de batalha, hoje, um vendedor de livros na rua. Francisco Olivar, o Vavá, é mais do que um vendedor, é um livreiro, à moda antiga, destes que conhece o assunto, a capa, a impressão, autor e o valor de um livro. Formado na velha e tradicional livraria , que por sinal sobram poucas, foram estes espaços que viabilizaram o surgimento do profissional do livro, que utilizam o recurso da memória como registro e ferramenta de trabalho. Trabalhar em sebo, ou livro usado é no meu entendimento, um bom espaço na formação de um livreiro, uma boa escola. O aprendizado de Vavá foi também no dia a dia de uma livraria, deste contato físico, despertou a paixão pelos livros e por Monteiro Lobato. Entre nós, profissionais do livro, circula a informação de que Olivar é dono de um grande acervo das obras de Monteiro Lobato e sobre Monteiro Lobato, tanto que este cearense, incentivador também da cultura de sua terra natal. Vavá é convidado para dar palestras sobre o homem que promoveu a maior revolução editorial do país, o grande editor e escritor José Bento Monteiro Lobato. Além de vender as preciosidades, tenta arrumar os pedidos dos clientes. A banca de Vavá, é uma mina. A conduta para quem gosta de comprar livros, é a de ficar garimpando, há grandes possibilidade de achar livros raros, além disto, são baratos, ainda arruma um tempo para participar de uma Academia Cearense de Letras e ser leitor de vários jornais.
Olivar é um homem simples.
Vavá é um homem preocupado com a divulgação da cultura, mantém um relacionamento com clientes, em sua maioria idosos, são jornalistas, escritores, politicos, uma gama variada de outros profissionais, está há mais de 10 anos, em uma das bancadas, vende livros a 1,00 real, ainda bem que escapou desta praga de 0,99 centavos. Em sua banca de livros, há aqueles que são cativos, estão sempre ali, para um papo, agora também comigo. Aos poucos estou interagindo com a clientela. Observei que há uma maior presença masculina na banca, embora, seja a mulher, é quem mais consome livros. Interessante, observei que Monteiro Lobato destes autores que tratam do universo da criança, continua bem procurado. Sou também ouvinte das histórias que Vavá conta o que sabe sobre Monteiro Lobato.
Voltar a atuar no mercado de livros foi muito bom, além de lidar com livros usados, melhor ainda, serviu de porta para retornar o meu interesse em estudar o mercado de livros, principalmente a partir dos anos 30, as editoras consideradas de "esquerda", de inventariar o comércio de livros deste período, de esbarrar com achados preciosos.
A sugestão de recortar a realidade do universo do livro, de ficar analisando o Rio de Janeiro, partiu de uma conversa com Paulo Adolfo, também editor e um dos filhos de um dos maiores editores de histórias em quadrinhos de nosso país, a Editora Brasil- América - EBAL, fundada em 1945, por seu pai, Adolfo Aizen, considerado por muitos como o "Pai das Histórias em Quadrinhos do Brasil", como pode ser observado na Wilkipédia. É interessante registrar, poucos sabem, que o editor Adolfo Aizen, junto com outro editor Sebastião Hersen, donos da pequena editora Adersen, localizada na rua do Lavradio, 60 foram os editores que publicaram a primeira edição de Menino de Engenho, de autoria de José Lins do Rego.

Voltar ao livro possibilitou entrar em contato com novas pessoas, fazer amigos, conhecer novos e rever antigos livreiros, editores, rever amigos dos bons tempos da Tijuca e da faculdade, professores e colegas. Durante o tempo em que estou na rua, vi muita gente conhecida, os vendedores, quando sabem que estou ali, aparecem. Não imaginava esta receptividade. Respiro por todos os poros, muitas vezes de alegria, por estes encontros. O livro seja ele, antigo ou novo, é uma janela para o mundo. Escrevi este texto como forma de reconhecimento e agradecimento ao livreiro Francisco Olivar pela oportunidade de voltar a trabalhar com livros.
Os netos estão chegando, o mais velho, manifesta um interesse muito grande pelos livros, o mais novo, sem dúvida vai acompanhar.




Tadashi Kaminagai: