sábado, novembro 15, 2008

Os Anarquistas estão chegando.















Outro dia, ou melhor, vez por outra, ressurge a pergunta inevitável para mim, se acostumei a trabalhar na rua no meio daquela muvuca, cercado dos mais variados sons, do som desafinado do saxofonista, passando pela elevada pressão sonora emitida pelos vendedores de cds e outros agregados, passantes ou não. Para o amigo que me perguntou, respondi que sim. Era a lei da selva, como animal político estava disposto a conviver com a poluição que o ambiente me proporcionava.

Neste momento, sou interrompido por um som, elevado som, provindo de um dos personagens incorporados ao cotidiano da Rua Bitencourt Silva ao lado do Edifício Central, em pleno Largo da Carioca, ali, passa um sujeito diariamente conduzindo rápido e impaciente, um burro-sem-rabo, portando um aparelho de som, tocando um "hit" americano destes que tocam em discotecas, uma bandeira de um clube, que não vale a pena ser mencionado, ou qualquer outra coisa que no momento, não lembro, mas são quinquilharias com certeza... Como cada louco com a sua mania, um outro louco - sempre se encontra um - nem sei se vivemos em uma cidade ou em um hospício, é uma loucura generalizada. Este, seguia, em movimentos frenéticos o ritmo da música. Coisas deste tipo é motivo de frenesi para uma galera atenta, ávida a qualquer movimento estranho...

Depois de ter aderido às vendas de livros pela internet, não estava muito convencido, pelas despesas envolvidas, a permanecer como livreiro de rua. As respostas dos amigos para as minhas hesitações, eram de estímulos a minha permanência, assim, protelei a minha decisão. No entanto, teria que fazer algo, dar uma sacudidela. Como fui distribuidor de livros, com mais de 70 editoras, embora, não tenha conseguido sobreviver, conheci muitos editores. Pelos livros comercializados naquele espaço, teria de procurar algo diferente dos demais livreiros, sou ideologicamente um livreiro de esquerda, é dentro deste campo que circula o meu pensamento, para fazer um diferencial, pensei nos livros sobre anarquismo, sobre a cultura libertária. Pronto! Encontrei o caminho. E fui à luta, fiz contato com Achiamé; fui seu divulgador, pracista e distribuidor. O material do Robson, seria a diferença que eu necessitava para alterar aquele quadro quase que negro. Alea jacta est, foi o que pensei de imediato.

Nesta ocasião conheci o historiador e pesquisador Rafael Dominicis, dali em diante, me foram encaminhadas outras editoras, como a Imaginário, do editor Plínio Coelho, um grande estudioso do anarquismo e tradutor. Fui distribuidor da Editora Imaginário, não conhecia a pequena editora Faísca com suas publicações libertárias. Gostei do catálogo.

É uma opção de trabalho, trabalhosa, reconheço, tanto, que estou ali, comercializando livros usados, apenas demorei muito para fazer esta opção. Às vendas destes últimos meses despencaram, tanto na rua, como na internet.É a crise do sistema capitalista que atinge com mais intensidade determinados segmentos sociais, e o livro dentro de uma hierarquia de valores de consumo como não ocupa um lugar muito privilegiado, é um dos primeiros a ser deixado para trás.A fome de ler é saciada de outra forma.

Em conversa com o meu amigo e parceiro, o Filósofo Alberto Pereira, livreiro da melhor qualidade, anunciei que os anarquistas estavam chegando, ocuparia grande parte da semana em exposição, no mínimo espaço que disponho, alternaria, se fosse o caso com outros tipos de livros, tenho um acervo e preciso girar com este material, fazer promoção.

A linguagem da rua é outra, movida por gritos, sussurros, barulhos e outros que tais. De onde fico, sentado em uma cadeira, que é democraticamente partilhada por várias pessoas, preferencialmente para os vendedores de cds que estão próximos a mim e trabalham em pé na grande parte do dia, cedo de bom grado para eles e aos outros conhecidos. Há sem dúvida, pessoas abusadas que sem nenhuma cerimônia, se apoderam da cadeira, sentam e nem agradecem pela eventual permanência. Quando solicito o lugar, encaram a saída como uma afronta a eles. No espaço da rua são construídos territórios, onde são codificados gestos e linguagens. A linguagem do corpo é uma delas, principalmente aquela em que Drummond lhe dedicou em versos: “Vai feliz na caricia de ser e balançar”. “Esferas harmoniosas sobre o caos.” Bom, fico por aqui, volto a qualquer momento ou em edição extraordinária.

Obs: Para o leitor curioso, o poema está incluído em O Amor Natural, página 25.


Um comentário:

Sonia Regly disse...

Excelente texto, completo!!!Estou sentindo sua falta lá no Compartilhando as Letras, vc faz muit falta!!! Gostava de seus comentários. O que houve??? Feliz Natal pra vc e toda sua família.