Na semana passada resolvi caminhar pela orla de Copacabana até o Posto 9 em Ipanema, entre uma passada e outra, tentava lembrar de algumas livrarias infantis. Não consegui ! Lembrava de editoras como a Ebal (Editora Brasil-América – criada em 1945, por um antigo funcionário de Roberto Marinho, Adolfo Aizen (1907/1991), dirigida após a morte do pai, por Paulo Adolfo Aizen e Naumin Aizen e a editora Vecchi criada por uma família de imigrantes italianos; pelos álbuns de figurinhas e revistas que editavam. Dos álbuns que colecionava, da disputa por uma figurinha carimbada, do bafo-bafo jogado com amigos. Das histórias em quadrinhos que circulavam de alguma forma em meu universo infantil. De ficar escutando o rádio para ouvir Jerônimo, o herói do sertão e Moleque Saci, do Sombra, da leitura de Fanstasma, Superman, de Mandrake, Recruta Zero, Bolinha e Luluzinha, Brasinha e Gasparzinho, Pato Donald, Mickey , Zorro e outros tantos heróis ilustrados nas revistas e almanaques dos anos 50 e 60. Dividia o meu tempo também com os seriados na televisão e os programas infantis como o Circo do Carequinha, interpretado pelo artista circense George Savalla Gomes(1915/2006), o teatrinho/vesperal Trol (Fabio Sabag, Norma Blum, Zilka Salaberry, Roberto de Cleto entre outros), Falcão Negro interpretado pelo ator Gilberto Martinho (1927/2001), de Rin Tin Tin e Rusty, a série do cão da raça Collie de nome Lassie, embora tenha sido uma “cadela”, sempre foi interpretado por cães machos.
As livrarias como escrevi, naquele momento fugiram da lembrança. Mas havia uma, que de algum modo contribuiu na minha formação de leitor. Em minha fase de garoto, estudante do curso primário do Instituto de Educação, na Tijuca, por estar pela localização em frente ao Instituto, a Livraria e Papelaria Casa Mattos, “amiga número um dos estudantes”, logo era minha amiga, assim eu imaginava, freqüentada por minha família, que na condição de alguns deles por serem professores, gozavam de um desconto de 10% na compra de material escolar. Dificilmente íamos ao centro da cidade comprar na Casa Cruz.
Minha madrinha, uma das professoras da família me presenteou com uma coleção de Monteiro Lobato (1882/1948), editado em 1960 pela Brasiliense com capa dura de cor verde, em meu aniversário de 11 anos. De minha outra tia, também professora, ganhei o livro Cazuza de Viriato Corrêa (1884/1967), editado pela Companhia Editora Nacional, o livro foi publicado pela primeira vez em 1938.
Acho que foi na criação desta relação com o cliente da papelaria, que se estabeleceu na cabeça do público que na compra de algum livro se obteria o desconto. Tornou-se um hábito bem arraigado. Durante estes anos ouvi de muito livreiro a reprovação do desconto para livros. Uma reclamação por parte dos livreiros e que crescia no inicio da feira do livro em praça pública, cujo desconto era de 20% obrigatório na compra de qualquer livro. Alguns livreiros acompanhavam a promoção dando destaque em suas lojas, outros efetivaram o desconto de 20% em todos os livros, caso da Livraria Ivo Alonso Nunes, uma boa livraria no centro da cidade, na Praça Monte Castelo. A livraria Ivo Alonso foi distribuidora da Atlas. Em plena efervescência de vendas chegaram abrir uma filial na Gama Filho, sob os cuidados do filho. Lembro que na loja do Ivo Alonso faleceu o historiador Manuel Mauricio de Albuquerque, habitual cliente da livraria, mestre e autor da Pequena Historia da Formação Social Brasileira, editada pela edições Graal. Estava em companhia de Eulalia Maria Lahmeyer Lobo, também professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS-UFRJ.
Aqui no Rio surgiram livrarias para este distinto público e seus pais, poucas sobreviveram. Se não falha a memória na segunda metade da década de setenta e o inicio da seguinte. Lembrei de imediato de uma das melhores livrarias, a livraria Malasartes (1979) situada no número 367, do Shopping da Gávea dedicada ao público infantil, tendo como uma das sócias, a escritora imortal Ana Maria Machado, aliás, eu considero como uma das melhores escritoras, embora, não apenas dedicada ao publico infantil; com Claudia Amorim e sua mãe Yacy Mattos de Moraes.
Ana Maria Machado foi uma das sócias da Quinteto Editorial, vendida mais tarde para a editora FTD. Lembro que ao ser vendedor tive a oportunidade de conhecer a livraria Malasartes e o primeiro contato foi com a Claudia, dali nasceu uma identificação imediata, sem muitas elucubrações, eu estava diante de uma livreira. Uma boa livreira. Fui apresentado por um amigo de longa data, também vendedor, de nome Fabrício. Na ocasião a editora em que eu trabalhava havia uma pequena seção de livros infanto-juvenis, que não foi adiante, no caso era a editora Paz e Terra. A coleção era dirigida por Eliane Ganem, escritora, professora do Instituto de Arte e Comunicação da UFF, seu livro Coisas de Menino foi editado pela Paz e Terra, ilustrado por Jayme Leão e com orelha escrita por Michel Misse, meu colega do IFCS/UFRJ. Há uma edição pela José Olympio.
Na Quarup, uma livraria que eu tive em Ipanema, havia criado um espaço dedicado ao leitor infantil, recebia visita de algumas escolinhas e de um pequeno público da redondeza. Meu filho na condição de ouvinte gostava imensamente dos livros da Ática, da coleção Gato e Rato, do casal Mary França e Eduardo França. Pensei em criar e logo abandonei a idéia inspirada na Murinho, a livraria infantil pertencente a falida Muro do livreiro Rui Campos, uma carteirinha de sócio. O momento de dificuldades de manter a livraria estava timidamente sendo anunciado, resisti até o mês de agosto de 1984.
Pouco tempo depois de ter fechado, recebi um convite e fui trabalhar na livraria Unilivros de Ipanema, junto com uma boa equipe de vendedores sob o comando de Mário, o homem de confiança de Jorge Ileli. Ileli conhecido cineasta, sua livraria era freqüentada por diversos artistas. José Lewgoy tinha uma cadeira cativa na livraria, estava sempre por lá. José Wilker era um dos melhores leitores, apontaria na época sem sombra de dúvida como o maior comprador de livros, assim como a Fernanda Montenegro, era também uma grande leitora. Manoel Carlos também comprava muito. Lembro de vários artistas, uma das últimas vezes que vi junto com a sua filha, a atriz Lílian Lemmertz , pouco tempo depois veio a falecer prematuramente. Continua na próxima oportunidade.
Ps: Fui informado pela Office Book, o novo endereço da tradicional livraria Ivo Alonso Nunes, localizada na Rua das Marrecas, 11, no Centro do Rio de Janeiro. Pela foto enviada, vale uma visita.
segunda-feira, agosto 13, 2007
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3 comentários:
Meu adorável Wilton. Obrigada pelo carinho sempre deixado lá na vida em movimento. Que delicia de lembranças!!!! Uma semana linda pra ti.
Pois é. Não se consegue ter afinidade absoluta com outra pessoa, mas, existe sempre algo a compartilhar. E isso é bom! É o caso deste interessante blog, que tem um título ou chamada sugestivo: Quitanda do Chaves - Fragmentos da Memória: Vagas Lembranças...
Interesso-me por memória, por assuntos que eu não vivenciei ou por não estar aqui, neste planeta. A prova disso está num pequeno trabalho que fiz para uma exposição de artes plásticas, aqui no Rio, no CCC. Consta de uma pintura à óleo, sobre madeira, de Carlos Lacerda, que batizei de "O Mago das Palavras" . Ano passado, nesta mesma exposição, pintei Fancisco Alves, o Rei da Voz, com a transcrição da marchinha-jingle "Retrato do Velho".
Sou por essência um fã de gibis. Tenho a Ebal como um marco para a formação de uma consciência da importância das histórias em quadrinhos no Brasil. Os Aizen contribuíram bastante para isso, mesmo debaixo de muita crítica a respeito de possível "desencaminhamento intelectual de jovens e interessados em gibis". Tolice. Quanta beleza estética e vocabulário bom havia naquelas histórias saídas das oficinas da Ebal, RGE, Abril,Cruzeiro, etc. O meu despertar definitivo para as artes começou com a força contida num gibi da Ebal: Zorro especial em cores, formato americano, capa plastificada e primorosamente ilustrada e atraente. Começou assim. Muito obrigado pelo espaço e oportunidade e parabéns pela sua atuação e criação deste blog irreverente e necessário.
J G Fajardo
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