quinta-feira, abril 14, 2005

A mineirice de Adélia Prado e outras conversas...

Olá!

Pela manhã ao entrar na Quitanda, esbarrei em uma prateleira de um dos corredores, que por suas características, batizei como Minas Gerais. Um espaço peculiar, com elementos da cultura mineira.Em especial a literatura mineira. O espírito de Minas, toma conta deste espaço. Sempre mantenho afixado em uma parede, retratos, escritos de pessoas que eu gosto, aprecio mesmo e se tiver algum que eu não goste, coloco também. Ali, bem na minha frente, na parte superior, a imagem de uma mulher mineira, que permanece em minha memória.Seu riso e seus cabelos, são características marcantes desta elegante e simpática escritora, Há uma caracteristica de sua narrativa, é a presença do universo religioso. da sexualidade reprimida...Meu contato primeiro está em seus livros. Hoje, um elenco de obras importantes que fazem reluzir o panorama da literatura feminina, mineira de excepcional qualidade. Conheci seu primeiro editor, fazia parte do meu ciclo de adolescente. Moramos em uma mesma rua da Tijuca, na Campos Salles. Minha primeira namorada foi sua prima. Homem de grande trajetória no mercado editorial e apontado como um dos melhores editores do país. De grande formação intelectual, esteve engajado na criação de cineclubes, e uma passagem por uma congregação religiosa. lembro deste período no final dos anos 60.
Fazíamos parte de um segmento de moradores do bairro da Tijuca, localizada, na zona norte do Rio de Janeiro. Bairro com forte presença da classe média, com um enorme número de estudantes e colégios. Eu mesmo, fui aluno do colégio estadual Orsina da Fonseca, hoje escola municipal.Bons tempos do ensino público no Brasil. Mais tarde fui para o Instituto La Fayette, na Rua Haddock Lobo. Houve um tempo em que se fazia a opção pelo clássico ou cientifico. Naturalmente o clássico foi escolhido. Tempo de descobertas. Onde entrei em contato com o movimento secundarista, com o núcleo na escola. Foi o momento que despertou uma imensa curiosidade intelectual e o meu começo de militante partidário. Antes de começar com a leitura predominante nos movimentos de esquerda, passei pela fase existencialista.Iniciava em seguida na filosofia marxista, pelas releituras da obra do materialismo histórico e dialético. Pela primeira vez tive contato, com a sonhada literatura e foi na biblioteca de Pedro Paulo de Senna Madureira, poeta com livro editado pela Imago, hoje proprietario da editora A Girafa. Seu irmão Nelson, me passava as informações e os livros. Tínhamos um grupo muito grande, vários tomaram rumos bem diferentes, alcançando status de notoriedade no cenário brasileiro. Fomos de um mesmo grupo ou sub-grupos: Maria José Polessa - Zezé Polessa, atualmente exercendo a profissão de atriz e suas irmãs, Ana Maria e Maria Luiza, e a caçula que me foge o nome. Também deste período, o médico sanitarista José Gomes Temporão, autor de um livro editado pela Graal. Destas celebridades, tinha um, que apenas conhecia de vista, morava na Campos Salles, era poeta e compositor que anos depois, nos inicios dos anos 70, suicidou-se. Ainda não li, pretendo comprar é o livro em dois volumes do jornalista Paulo Roberto Pires (recentemente foi editor da Planeta, um novo grupo editorial no país), mas o livro foi editado pela Rocco (editora com o nome do proprietário(muito comum, dar o nome da casa editorial ao seu dono) e com passagem pela Editora e Livraria Francisco Alves).
Saí empolgado e vibrando com as Obras Escolhidas de Marx & Engels em 3 volumes, tomadas emprestadas. A editora foi fechada na época da ditadura. Seu catálogo era cobiçado por nós, era sorte encontrar algum título encontrávamos perdidos os livros publicados pela combatente editorial Vitória, aqui no Rio de Janeiro, em algum sebo, esbarrávamos na dificuldade localizar livro publicado. Encontrei em uma queima de livros, promovidos, pela Livraria Civilização Brasileira., antes do atentado à bomba que destruíram a loja no centro da cidade, na rua Sete de Setembro,97. Seu editor Ênio Silveira, foi militante do PCB. Os grupos de direita sempre ensandecidos nestes episódios, manifestavam de modo violento com atentados contra a liberdade de opinião. Tanto a Editora e Livraria eram no mesmo prédio.Explosão em banca de jornais e shows. Foi na busca por determinados autores, que entrei pelo fascinante mundo dos sebos.Era cliente da Livraria São José, na rua de mesmo nome.Tornou-se um hábito, minha ronda pelos sebos do centro da cidade. Olhava os livros nas prateleiras e balcões do começo ao fim. Passava vista em todos eles, para garimpar a minha preciosidade. Lembro que havia uma coleção dirigida pelo escritor baiano Jorge Amado, “Romances do Povo”, Editorial Vitória, com vinculos com intelectuais do "Partidão", como era também conhecido o PCB;reunindo romancistas socialistas, entre eles: Ilya Eherenburg, Ostrovsky, Pavlenko .Foi nesta editora, que Jorge Amado, publicou o seu livro “O Mundo da Paz”, que levou o escritor a ser enquadrado e processado na lei de segurança nacional. Não recordo se o editor chamava-se Calvino.
O consumo desta literatura e preocupações sociais e políticas me levaram a fazer Ciências Sociais no inicio da década de 70, no Largo de São Francisco, no IFCS/UFRJ, mudado pra lá, depois da saída repentina da rua Marques de Olinda, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Quando prestei o vestibular, neste dia, houve uma demora inexplicavel para iniciar as provas. Apenas boatos...Isto aconteceu no final de 1970. Éramos vigiados constantemente, por zelosos“faxineiros” preocupados com limpeza dos corredores e banheiros. Dispersavam os vários (cada um pela colaração ideológica)grupos formados pelos andares, justamente, passando a vassoura, onde os grupos se reuniam.. Não paravam de circular pelos andares. Ali, estavam distribuídos os cursos de Filosofia, História, Ciências Sociais e de rápida passagem a turma da Geografia. Lembro deste período fazendo Geografia, o ator Luiz Armando Queiroz, morreu aos 53 anos, vitima de câncer.Participou nos anos 70, do seriado A Grande Família, direção de Paulo Afonso Grisolli , com texto de Armando Costa e Oduvaldo Vianna Filho(1936/1974), exibido pela Rede Globo, Foi o período conhecido como os “Anos de Chumbo”. O afastamento de professores desta instituição de ensino, quero dizer, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Posso citar, no momento, mas registro que vários deles foram para a PUC/RJ, no bairro da Gávea, zona sul do Rio de Janeiro. Vou apenas mencionar alguns mestres: Maria Yedda Leite Linhares, Marina São Paulo de Vasconcellos ( homenagearam com o seu nome a biblioteca da faculdade), Mauricio Vinhas de Queiróz., José Luiz Werneck da Silva, Mirian Limoeiro Cardoso Lins, Moema Eulália de Oliveira Toscano, Eulália Marias Lahamayer Lobo, Manuel Mauricio de Albuquerque, autor do importante livro “Pequena História da Formação Social Brasileira” - muito útil para a compreensão da sociedade brasileira e para a formação intelectual do estudante brasileiro. Foi editado em 1981, pela Edições Graal – inicialmente a editora pertenceu ao deputado Max da Costa Santos, com a morte do deputado cassado, o seu filho, foi quem vendeu para o editor Fernando Gasparian, da Editora Paz e Terra. O professor Manuel Mauricio(morreu dentro da livraria Ivo Alonso, no centro, fechada nos anos 90) foram muitos. Vários exilados e perseguidos.
Vivíamos um momento de efervescência cultural, de censura cultural, de atentados em livrarias e teatros, aos artistas, movimentos sindicais, da militância estudantil, a desconfiança desperta para os colegas suspeitos de dedos-duros, também de professores que colaboraram com os militares. Tempo de prisões e desaparecimento de presos políticos. Tempo de tortura! O Instituto foi dirigido pelo historiador ultra-conservador, professor Eremildo Luiz Vianna; que é sempre bom lembrar, teve uma “triste” passagem como diretor da Rádio MEC. Um tempo conturbado, de obscurantismo. Resolveram mudar a Faculdade Nacional de Filosofia que em 1965 foi fundida ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Brasil, hoje Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, pertencente à Universidade Federal do Rio de Janeiro. O homem era famoso por suas perseguições aos professores mais críticos ao sistema. Depois foi escolhido como diretor um professor de orientação católica,o filósofo Eduardo Prado de Mendonça. Há um livro de Márcio Moreira Alves, que menciona a fase negra da universidade, conta passagens do historiador medievalista Eremildo Vianna,está em O Cristo do Povo, publicado pela editora Sabiá, de Fernando Sabino, que mais tarde, se não falha a memória, vendeu à editora para José Olympio, que passou adiante, o editor não fazia mais parte da casa editorial. foi vendida ao casal Gregory, que morre em acidente aéreo. Anos mais tarde foi incorporada ao grupo editorial Record. Interessante a politica de absorção desta que é considerada a maior editora do país.
Meus Caros, desculpe, mas vou interromper esta narrativa, para retomar e falar na poetisa nascida em 13 de dezembro de 1935, na cidade de Divinópolis, em Minas Gerais. Seu nome: Adélia Luiza Prado Freitas – Adélia Prado . O seu primeiro livro indicado por Carlos Drumond de Andrade, não se deve esquecer a participação de Affonso Romano de Santana e ao meu de infância, Pedro Paulo de Senna Madureira, que trabalhava nos anos 70 na Editora Imago de Jayme Salomão, de formação em psiquiatria.Um bom catálago na área psi.
O primeiro livro editado de Adélia, foi Bagagem em 1976, com o selo da editora Imago, depois O Coração Disparado(Prêmio Jabuti em 1978), o editor Pedro Paulo, acabou levando-a para a Nova Fronteira, em 1978 e três anos mais tarde, lançou Terra de Santa Cruz. Este, é o livro que escolhi para extrair uma poesia que vou transcrever para vocês. A edição que disponho é por uma outra editora, que foi desativada, chama-se Editora Guanabara(Dois), uma divisão da Editora Guanabara Koogan, especializada na área médica. O acervo, foi vendido para Zahar Editora, que mais tarde, acabou sendo desativada e passando a ter o nome de seu proprietário, um dos maiores editores brasileiros, Jorge Zahar(1920/1998) Editor pioneiro em nossa área. Referência obrigatória nas leituras de Ciências Sociais, embora o catálogo, contemple com várias coleções as diferentes disciplinas das ciências humanas.
Vamos ao que interessa, é fazer o registro desta poesia, cujo titulo é:
“Trottoir”
Minhas fantasias eróticas, sei agora,
eram fantasias do céu....
Eu pensava que sexo era a noite inteira
E só de manhãzinha os corpos despediam-se.
Para mim veio muito tarde
a revelação de que não somos anjos.
O rei tem uma paixão – dizem à boca pequena –
regozijo-me imaginando sua voz,
sua mão desvencilhando da fronte da pesada coroa:
Vem cá, há muito tempo não vejo uns olhos castanhos,
tenho estado em guerras...”
O rei dasataviado,
com o seu sexo eriçável mas contido,
pertinaz como eu em produzir com voz,
mão e olhos quase estáticos , um vinho,
um sumo roxo, acre, meio doce,
embriaguez de um passeio entre as estrelas.
A voz apaixonada mais inclino os ouvidos,
aos pulsares, buracos negros no peito,
rápidos desmaios,
onde esta coisa pagã aparece luminescente:
com ervas de folhas redondinhas
um negro faz comida à beira do precipício.
À beira do sono, à beira do que não explico
brilha uma luz. E de afoita esperança
o salto do meu sapato no meio-fio
bate que bate.
Adélia Prado, Terra de Santa Cruz, Editora Guanabara, 2ª edição, RJ, 1986 : 15

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