terça-feira, junho 07, 2005
Uma Página Aberta
Bruce Nauman - Artista plastico norte-americano
Um dos espaços que transito sempre na Quitanda, é o espaço dedicado à memória. Há baús, gavetas e prateleiras onde são colocadas as reminiscências, volta e meia, assopro a poeira, passo a limpo, os sonhos que revestem esta tela, costuro os retalhos, aparo as sobras, pego o carretel guardado, as agulhas e vou traçando o tempo, remendando as lembranças vagas.É uma revisão constante, para mim, um bom exercício. Hoje remexi nos papéis escritos por linhas tortas que me conduziram, de imediato, às páginas viradas do tempo. Fui parar no período em que andei vendendo livros na Feira do Livro.Sim! Meus caros dois leitores, fui barraqueiro. As que são montadas em praças públicas.Funcionavam no meu tempo, cerca de 12 horas de segunda à segunda. Com a violência imperando na cidade, houve por medida de segurança uma redução no horário e nos dias. Geralmente é realizada, à partir do mês de abril, no dia do nascimento de Monteiro Lobato(dia 18/4). Atualmente parece que não se cumpre este ritual e nem são mais obedecidos os antigos critérios de exposição nas praças do Rio.Seguindo um roteiro na montagem das jurássicas barracas, nos bairros.Soube que modernizaram as barracas. Para a realização da feira, dependem da liberação de um órgão da prefeitura, que é o Parques e Jardins, responsáveis pelas praças, nem sempre é possivel a liberação do espaço.As praças já não comportam o grande número de barracas, há outros interessados em usar as praças.
As feiras são promovidas pela ABL(Associação Brasileira do Livro), que cobra muito caro pelo uso da barraca ou do solo, tem de ser associado para trabalhar na feira.O estatuto da associação, é para inglês ver. Esta entidade da classe dos livreiros foi dirigida por um livreiro que ficou por um longo tempo, saiu , apenas por ter morrido. Alguns insurgentes livreiros tentavam se organizar como grupo de pressão, no entanto, rápidamente eram abortados pelos dirigentes da associação. Quem se organizasse em oposição,(algumas vozes dissonantes que não ecoavam muito longe, apenas ficavam nos bastidores, ficavam cochichando. Qualquer esboço de manifestação contrária à organização da feira,promovia reação do grupo que o sustentava politicamente o presidente da entidade, agiam de imediato para suspenção ou mesmo a expulsão dos quadros de associados, daqueles que ousavam discordar.A livraria Dazibao foi uma das penalizadas. A feira do livro era um bom negócio na "passagem"(aluguel) das barracas para os colegas livreiros, isto é, quando o número sorteado para determinada feira, não tivesse a vontade de explorar a barraca, ele repassava, para quem pagasse um bom preço.Muitas barracas não pertenciam aos titulares. A melhor feira é a da Cinelândia, a mais rentável, naturalmente a que se paga a maior taxa.
Eu explorava a barraca da Edições Graal, permissão que eu obtivera por parte do editor Paul Christoph. Diga-se de passagem, um bom editor, perdi o contato com ele, sei que foi para a Campus, depois Ediouro, de lá pra cá , não tive mais noticias.Nesta barraca, eu trabalhava só com editoras com o perfil de esquerda.Era um momento de efervescência cultural, de comícios na Cinelândia, que é uma praça no centro da cidade, palco de multiplas manifestações de qualquer natureza. Um espaço democrático, com circulação de muitas pessoas. Um lugar muito tradicional, uma área que concentrava um grande número de cinemas,hoje, a maioria dos cinemas fecharam. Os gays também circulam naquela área.Há muito furto, batedores de carteira aos montes. Arrombamento de escritórios, a minha editora, foi arrombada, não sei bem o que pretendiam, pois, não levaram nada, apenas, desarrumaram o escritório.
Nos anos 90, tive uma editora no prédio do tradicional cinema Pathé. O cinema, hoje virou templo evangélico.
Conheci muita gente que se tornaram clientes da barraca, dentre eles, lembro que conheci um escritor, que foi um dos criadores do jornal, considerado como da "imprensa alternativa", (uma categoria creio, que foi criada por Alberto Dines) de vinculos com a esquerda; chamava-se O Lampião da Esquina, não recordo se intulado como Lampião.uma publicação de identidade homossexual, era voltado para o público gay.Um espaço de esclarecimente e militância. Circulava por mês e durou pouco tempo, de abril 1978 até junho de 1981, totalizando 31 números. Foi o inicio do discurso gay na mídia.O editor da qual me refiro, é Aguinaldo Silva, escritor, jornalista, roterista, autor de inúmeras novelas de sucesso e teatro.Nasceu em Carpina, no estado de Pernambuco, no dia 7 de junho de 1944. No jornal faziam parte vários homossexuais: Antônio Chrisóstomo, Darcy Penteado(1926/1987), Gasparino da Matta, João Antonio Mascarenhas, criador do Grupo Homossexual Triangulo Rosa., falecido em 1999, Glauco Mattoso, Jean - Claude Bernadet, João Silvério Trevisan, Peter Fry. . Surge o SOMOS, grupo de afirmação homossexual, integrado por gays e lésbicas em .São Paulo, pouco tempo depois, há um racha no movimento, surgindo o grupo lésbico-feminista.
No inicio dos anos 80, resolvo, montar uma livraria, com mais dois sócios que abandonam a sociedade um ano depois.Como eu estive ligado a causa indígena quando fazia antropologia e estagiário do Museu do Indio, acabei escolhendo o nome de Quarup, que não era uma referência ao livro de Antônio Callado e sim ao ritual das tribos do Xingu. Meu filho tem o nome do cacique Raoni. Quando criei a livraria já tinha me afastado do interesse de estudar a sociedade indigena. Tinha feito uma opção de trabalhar com livros. Era um época em que pipocavam lançamentos de livros nas livrarias e em alguns casos, os lançamentos eram feito em bares.Tratei de arrumar lançamentos, houve um que me trouxe uma boa divulgação foi dado pelo meu conhecido na feira do livro, o escritor Aguinaldo Silva, junto com Doc Comparato,que é médico, dramaturgo, escritor e roteirista; fizeram uma noite de autógrafos na Quarup. O livro é um peça de teatro chamado As Tias, editado pela Achiamé. Minha livraria era localizada no terceiro andar e ficou lotadissima, muito artista global.Os autores estavam em evidência. Fizeram trabalhos juntos.Depois, tomaram rumos diferentes. Doc Coparato, lançou um livro referência,chamado Da Criação ao Roteiro,editado pela Nórdica e por uma editora portuguesa.Conheço um livro de Agnaldo, que é dedicado a Doc, chama-se Memória da Guerra, editado pela Record, em 1986.
Uma livraria conhecida de Ipanema tinha ido a falência, que era a Muro, um dos seus proprietários, atualmente é dono de livraria badalada na cidade.Fiquei surpreso ao descer o subsolo da Visconde de Pirajá 82, estava lacrada por ordem judicial, não esqueço deste lance, algumas editoras pediram a falência da livraria. Reconheço a importância da livraria Muro,nos anos 70/80, não sei se poderia ser considerada como da "esquerda festiva", acho que foi criada na metade da década de 70. Havia também, a Murinho, livraria destinada ao público infantil. Conheci os seus donos, principalmente o pessoal ligado a mim, quando eles passaram pela experiência de ter loja no Catete e na praça Saens Peña.O mobiliário da loja do Catete, que ficava em uma galeria, acabei comprando, parte foram utilizados em minha loja. A Quarup, no segundo semestre de 1984, pelas dificuldades financeiras que eu estava enfrentando, forçaram a encerrar suas atividades. Muitas livrarias em Ipanema, acabaram fechando. Vou voltar a este assunto em outra oportunidade.Deixo apenas uma página aberta para contar um pouco da história do mercado editorial.
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